sábado, 14 de novembro de 2015

Para Lucy, com amor.

   Edgar, levantou a cabeça, estava sonolento e sem conseguir raciocinar direito, olhou para os dois lados, na janela a chuva caia, estava escuro, via-se apenas as luzes da madrugada agitada na cidade, olhou o relógio e notou que havia cochilado em cima de seu manuscrito outra vez. Edgar havia feito da penumbra seu conforto e mesmo que gostasse de tira-la como companheira, ficava feliz pelos cochilos repentinos que ocorriam, enquanto tentava voltar a tudo que viveu, e passar para o papel, depois de tantos anos de insonia, pesadelos e medo, ocasionados por aquela noite que agora viraria um livro, e seria passado a outras pessoas em forma de ficção, irreal, velha e impossível. Apenas história.
   Ao olhar no relógio, Edgar decidiu voltar a escrever, era quatro e quinze da madrugada, no dia treze de novembro de dois mil e trinta, quarta-feira. Quinze anos haviam se passado. Há quinze anos - Meu Deus!- ele já não dormia e também já não cantava, tinha pesadelos acordado e sempre achava que era o fim, mas se reerguia por ela, Lucy, sua amada. 
   A quinze anos, nesse dia, Lucy estava grávida, mas Edgar nunca soube, saberia nesta noite, e Lucy receberia um pedido de casamento surpresa, estava tudo planejado, seria lindo. Em meio a multidão Edgar pediria Lucy para ficarem juntos até o fim de suas vidas, mas o pedido nunca aconteceu e o fim da vida de Lucy chegou antes mesmo de Edgar pedir pela chance de acompanhá-la. 
   - Ah Lucy, meu amor, porque diabos eu não te ouvi naquele dia? Se eu te ouvisse mais, eu saberia que o Comptoire Voltaire não era o melhor lugar para uma sexta-feira a noite, mas poxa o momento pedia algo especial minha querida, por favor, me perdoe, pois eu já não posso me perdoar. - Falava Edgar sozinho pela madrugada.
    Edgar, havia sobrevivido aos atentados terroristas que ocorreram na França, naquele dia e lá, na cidade do amor, perderá o seu. Resolveu voltar para o Brasil nos dias posteriores as mortes, Paris já não era a mesma, a cidade tentava se reerguer, mas para ele, agora só restava lembranças ruins do lugar que amou e morou por três anos, O lugar onde encontrou e perdeu o amor da sua vida. 
     Lucy já não estava com ele, Edgar seguiu, assim como todos que viviam na França nesse ano, e perderam seus entes amados, para essa guerra, essa maldita guerra, que devolveu o vazio para a vida de muitos e o suicídio para outros. O pânico e o ódio. A garra de lutar e a desesperança. 
     Porém Edgar não, Edgar estava cheio de Lucy em si mesmo, não se mataria, pois perderia o que sobrara dela nele, não tinha pânico e nem ódio, não pensava em lutar, estava delirante e já não era o mesmo, ficou doente, e repetia para si mesmo que viveria por ela e pelo filho que ele tanto queria ter, mas acreditava nunca ter passado perto de realizar esse sonho, sem saber da gravidez da amada. Sua vida, passou a ser um reflexo do tiro jogado ao vento, por um terrorista e que acertou o coração de quem mais o amou. Edgar estava sozinho, não queria mas decidiu viver, por Lucy e por todas as outras pessoas que já sofreram assim de alguma forma, seja ela nesses atentados, nos de 11 de setembro, ou passando fome na África, em um terremoto no Japão ou em outra parte do mundo, ou em desastres naturais no tão querido Brasil de Edgar. 
     São milhões de Edgares pelo mundo, e por isso, mesmo sem mais esperanças na humanidade e quinze anos depois, Edgar decidiu relatar sua vida nesse livro, o livro que contava sua história e o seu filme terror, sabendo que existem vários desses filmes por ai, com protagonistas e enredos diferentes, porem com o mesmo sofrimento. 
      O livro se chamava "Para Lucy, com amor" e relatava o quanto é muito mais difícil para quem sobrevive do que para quem morre. Morrer seria a forma mais fácil, mas naquele momento, ele percebeu que precisaria se manter vivo, para não deixar Lucy morrer. Pensando nisso, ele adormeceu novamente, e Lucy que o observava com a mão na barriga, do outro lado do quarto, sorriu para ele uma última vez, acenou e sumiu, havia completado sua missão de guiar Edgar, que tanto a guiou em vida. Edgar, havia finalmente completado o livro.

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