domingo, 20 de dezembro de 2015

Girl Power: Eu sou uma mulher, eu posso.


           Desde que eu era apenas uma garotinha, minha mãe olhava em meus olhos e dizia que um dia eu seria uma mulher, e que os garotos me olhariam de forma diferente. Dizia que eu devia tomar cuidado, e trilhar meus próprios passos, para que eu nunca dependesse de nenhum homem, e para que esse nunca pudesse se achar no direito de me humilhar por eu ser mulher.
           Eu achava isso tudo muito estranho pois, era uma menininha, sonhava em ser a princesa que seria resgatada por um príncipe. Nunca havia pensado que eu mesmo poderia me resgatar. Esse tipo de coisa não acontece nos contos de fadas. Logo achei que isso era alguma estratégia criada pela minha mãe para que eu estudasse e tivesse sucesso, ela queria meu bem estar, e eu sabia disso. Então acolhi seus conselhos com carinho.
            Quando meu corpo começou a se desenvolver, sem eu querer, comecei a esconde-lo atrás de roupas largas. Não queria crescer. Queria apenas continuar jogando futebol na rua com os meninos sem que eles soltassem alguma piadinha sobre meu corpo. Queria voltar a me sentir confortável sendo uma garota. Os jogos aconteciam diariamente, campeonato, atrás de campeonato e eu passei a ser a primeira a ser escolhida pelos times da rua, e talvez ai tenha começado o problema. 
          Conforme fui me destacando a violência passou a acompanhar os meninos que jogavam comigo, assim como esses fazem em jogos oficiais de futebol, eles me empurravam e derrubavam, me chamavam de palavras de baixo calão e no fim do jogo meus joelhos eram os mais machucados, mas também meu saldo de gols eram os maiores. Eu não achava nada de errado nisso, era um jogo e coisas assim acontecem quando se joga um jogo para meninos. Eu deveria me acostumar, era assim que as coisas eram e eu pedia por aquilo, eu nem devia estar ali mesmo. Eu poderia estar brincando de bonecas para treinar como ser mãe mais tarde, mas eu estava na rua, como um moleque. Ia para casa quando já havia escurecido, toda suada, precisando de um banho. 
          Aos poucos as palavras ficaram mais pesadas e os termos usados por eles já não eram  as ofensas usadas nos jogos de futebol quando se quer desestabilizar o adversário. Eles usavam palavras que me desestabilizavam como mulher. Eles começaram a passar a mão em meu corpo e me afastar dos jogos, pois eu era uma mulherzinha e devia achar outra coisa para brincar, algo que fosse apropriado para meninas. Então assim me afastei de todo e qualquer esporte e naquele dia eu entendi o que minha mãe queria me dizer quando eu era apenas uma menininha. Aquilo me encheu de ira. Eu não queria brincar de casinha, não queria brincar de bonecas. Eu gostava de jogar futebol, era isso que eu fazia bem, mas não podia, apenas porque meu corpo era diferente.
            Me dediquei aos livros, e neles descobri que se eu quisesse ser uma princesa eu mesmo devia me resgatar, e devia também me preparar para os dias que viriam a seguir. A vida não seria fácil, não me entenda mal, para ninguém é, independente do gênero, cor ou número que se veste, mas para alguns a vida é ainda mais difícil. Nos livros aprendi a viver outras vidas, e conhecer outros tempos e costumes e foi isso o que mais me chocou e mais me deixou apaixonada. Ter a possibilidade de conhecer a vida antes de mim. Descobri a existência de preconceitos e costumes inexplicáveis e também suas consequências em minha vida. Não se engane, tudo o que temos hoje não vem só do que nós somos ou fomos criados para ser, vem também e principalmente, de pessoas que vieram antes da gente. Eu fui criada para ser uma mulher.
            Ainda não posso dizer que sou uma mulher completa mas sei o que vai significar se um dia chegar a ser uma, eu terei total controle sobre meu corpo, meu dinheiro e minhas ações. Parece um absurdo eu estar falando assim, sobre ter o controle do que já devia ser meu, mas infelizmente, e não só por mim, o meu corpo não é meu. Quando aqueles meninos passaram as mãos em meu corpo, ele não foi meu. Quando um garoto assovia ou me chama de gostosa na rua, o meu corpo não é meu. Quando tenho medo de sair de casa e ser estrupada, o meu corpo não é meu. Quando deixo de usar alguma roupa para não ser chamada de vadia, meu corpo não está sendo meu. Mas se tudo ou algo disso acontecer a responsabilidade é minha, é minha culpa, totalmente minha.
           Descobri que meus direitos e deveres são iguais os de um homem perante a lei, então porque socialmente, ainda recebo salário menor e sou desrespeitada em meu local de trabalho? Se eu posso trabalhar tão pesado quando um homem, se eu posso erguer uma parede e ainda ter um filho, porque ainda me desvalorizam diante de um homem? Porque precisa-se de leis para minha segurança quando tudo que meu marido deve fazer é me respeitar como sua mulher e igual? Não preciso de homem me cuidando ou me sustentando, preciso de um homem me respeitando. Homem e mulher devem se amar e respeitar-se um ao outro, se completar e fazer um do outro seu companheiro. Mulher nenhuma, assim como homem nenhum, precisa de um dono. Esses costume já passaram, me incomoda não ter entrado na cabeça das pessoas, homens e mulheres, ainda.
             Para concluir meu desabafo, gostaria de agradecer a todas as mulheres que lutaram por mim, me deram o direito ao voto, ao trabalho, e a educação e conseguiram minha liberdade. Obrigada mulheres que me fazem ver que sou igual ao um homem, mesmo tendo menos força física posso ser tão inteligente e habilidosa quanto um, assim como esse pode ser tão caprichoso, carinhoso e cuidadoso como eu. Se eu soubesse isso antes, nunca teria largado o futebol.
                      

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